O tarô sagrado dos Orixás, da editora Pensamento/Llewellyn


Vou começar o texto confessando um preconceito bastante enraizado que possuo sobre "tarôs", que a propósito não é um termo genérico para baralho de adivinhação - o termo genérico pra isso é oráculo, e se aplica inclusive a métodos que não são baralhos. O tarô é um tipo específico de baralho, consolidado pela tradição e funcional justamente por ser, em uma escala menor, a representação arquetípica de todas as forças que compõem o universo, dessa forma permitindo que o "divinador" tenha acesso e diagnostique como essas mesmas energias estão agindo sobre alguma questão; em suma, o tarô é um mapa - e mapas não são feitos à revelia, sem nenhuma consideração com o território que buscam descrever.




não são tarôs - primeiro por causa da estrutura do baralho - 22-56 - e, segundo, pela estrutura simbólica do deck, que não segue a tradução oracular do tarô. "Tarô" 

Afinal de contas, me considero um tradicionalista - e, apesar de praticar o candomblé, que consiste basicamente em uma forma de culto aos orixás, essas energias não dialogam com os seres humanos através do baralho - é restrita a elas a comunicação pelo jogo de búzios, mérìndilogún , ìkin, ópèlè, dada as especificidades de um determinado culto e território em que é praticado. Sendo assim, esse baralho não possui nenhuma legitimidade tradicional em nenhum culto de orixás - eles não "falam" por essas cartas.

Convenhamos que não falta charlatanismo e invencionice no mundo dos cultos afrobrasileiros; há um infinito número de livros, oráculos, etc - baseados nos diversos cultos do orixá, no Brasil e em todo lugar onde ocorreu a diáspora - e inclusive na Nigéria, a terra dos orixás por excelência.

Minha surpresa com o "tarô" mencionado é por conta da engenhosidade com que ele foi elaborado; obviamente ele não substitui os jogos tradicionais dos orixás, mas sim utiliza de sua mitologia - e adiciona coisas completamente alheias à tradição - para construir uma outra cosmovisão, mais alinhada à mentalidade animista dos praticantes de cultos a orixás do que o linguajar alquímico e astrológicos de alguns tarôs famosos. Não que esse linguajar seja inacessível - demanda apenas um pouco de estudo e tempo para que os símbolos se assentem em nossa mente -, mas é, definitivamente, de acesso mais difícil para o leitor médio de oráculos, raramente interessados pelos mistérios que compõem os baralhos, por sua estrutura simbólica & iniciática.


Esse baralho, por exemplo, não pode ser lido seguindo os tarôs tradicionais - em que os arcanos maiores representam uma narrativa iniciática, tratando de fases da vida, ritos de passagem, etc. O foco dos arcanos maiores, neste baralho chamado de cartas principais, tendo um total de 25 cartas nessa categoria, é mostrar forças divinas, arquetípicas; não se tratam todos de orixás (e, inclusive, muitos orixás não estão presentes), mas os mais 'importantes', primevos estão presentes; além dessas divindades, encontramos correlatos em cultos de orixás de outros países, como Eleggua/Elegbara, Pombogira, figuras de outros credos, como o Anjo Custódio, O Karma, e algumas cartas que são apenas releituras das tradicionais do tarô, como A Aldeia, que aqui assume a função da Torre, A Terra, substituindo o Mundo, O Expulso, no lugar do Louco, etc. O Xangô, por exemplo, é uma mera substituição da carta Justiça - representando também a similaridade do panteão iorubá com outras correntes mágicas e esotéricas.


Neste baralho também não há numeração nas cartas principais, o que evidencia o fato de que não há nenhuma narrativa que interligue as cartas, formando uma história iniciática - essa dimensão esotérica está completamente ausente neste baralho; agora, falando das cartas menores, sendo elas 52, chamadas secundárias, também tem algumas alterações estruturais - os naipes são chamados de Terra, Água, Ar e Fogo (algo bem intuitivo pra quem compreende o simbolismo de decks mais tradicionais) - e cada um dos naipes possui 13 cartas; o que é bastante diferente é a ausência de cartas da corte - mas, em seu lugar, encontramos uma carta para cada elemento, representando períodos temporais, a mensagem do elemento, que traz a virtude do elemento enquanto uma sugestão prática para a resolução da questão e uma carta elemental, trazendo o espírito elemental correspondente ao naipe: silfos, ondinas, salamandras, etc.

É curioso observar que os arcanos menores trazem um simbolismo astrológico - mas ainda não consegui entender exatamente o sentido; me parece meio arbitrário.

Achei o baralho muito positivo; ele vem acompanhado de um livro normal, bem escrito e trazendo informações sobre todas as cartas, junto às suas ilustrações; alguns textos informativos sobre tarô, etc. Vem também um minilivro, parecido aos guias de tarô, com informações mais pontuais e resumidas, bom pra acessar rapidamente e sanar alguma dúvida. O baralho é trilíngue, então vem com os nomes dos arcanos em inglês, espanhol e português - inclusive traduzindo quando não há correspondente na língua para algo - como no caso de Pombogira, que é traduzido como "female eshu".

Achei o livro como um todo bastante pretencioso - o autor usa muito de um discurso de ser iniciado para vender o produto; mas realmente achei o trabalho extremamente bem feito e ele merece crédito por isso.

O ponto negativo é a qualidade de lixo das cartas - elas são muito finas e com um tamanho desagradável, dificultando o processo de embaralhá-las; a embalagem é bem simples - vem num saquinho de plástico resistente, mas as cartas vêm em blocos colados por durex - e uma das minhas cartas ficou com cola, e ela fica agarrando nas outras. Nada que, com o uso, não desaparecerá. A qualidade gráfica é bem ruim mesmo, as cores são meio desbotadas e o papel é ruim - os desenhos eu nem menciono - são meio toscos, bem artesanais, aparentando coloridos com lápis de cor. Mas não me incomodo tanto com o desenho, pois eles ilustram bem as energias descritas.


A edição analisada tem ISBN 978-85-315-0921-6, e está na 11ª reimpressão, feita neste ano. O baralho foi escrito por Zolrak e ilustrado por Durkon. Se trata de uma publicação nacional de um baralho estrangeiro, publicado pela Llewellyn - então não estranhe as referências estranhas à mentalidade candomblecista e umbandista. Paguei R$39,90 no baralho, e me considero satisfeito pela criatividade do autor!

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